quarta-feira, 5 de março de 2008

Parto anônimo - Um respaldo à irresponsabilidade

É estupefata que vejo a possibilidade de uma nova lei brasileira: o parto anônimo. Segundo o anteprojeto, a lei dará às gestantes a possibilidade de fazer todo o acompanhamento de pré-natal e o parto sem a necessidade de se identificar na maternidade e, inclusive, de ficar com o bebê. Com a proposta, a mãe fica livre de toda responsabilidade jurídica sobre a criança, que poderá ser deixada em hospitais ou postos de saúde para a adoção. É a versão moderna da “roda dos excluídos”, dizem uns. Pra mim, retrocesso puro. E abandono. Simples e cruel assim.

Os argumentos dos defensores deste projeto de lei é que assim diminuiriam os casos de crianças jogadas em latas de lixo e em lagoas e a vida seria preservada, uma vez que não seriam realizados abortos. Amparadas pela lei, as “mães” (dá pra chamá-las assim?) poderiam se desfazer de filhos indesejados sem maiores implicações. E os índices de adoção cresceriam.

É simplesmente absurdo e não dará certo.

Primeiro, porque mascara um problema social muito maior que é a falta de planejamento familiar. Admito que sou dona de um ponto de vista no mínimo controverso, pois acredito que a camada mais baixa da população muitas vezes engravida mais pela preguiça de buscar contraceptivos gratuitos ou pela eventual “vantagem” financeira e governamental que mais um filho pode acarretar. Mas ainda acho que o controle da natalidade é a chave que abre as portas para um país entrar na esfera do real desenvolvimento. É preciso investir fortemente em educação sexual, esclarecimento e livre acesso à contracepção. Enquanto filhos continuarem sendo gerados com irresponsabilidade e despreocupação, sorry em lhes dizer, nosso Brasil continuará sendo parte do terceiro mundo.

Em segundo, sou absolutamente favorável à legalização do aborto. Embora em pequena escala, “acidentes” acontecem. E a mulher, de qualquer camada social, deve ter o direito à escolha. Eu sou um exemplo disto. Engravidei do meu segundo filho sem planejar, num momento financeiro terrível. Pensei durante 15 dias se iria abortar ou não. Mas era tarde: eu já estava completamente apaixonada por aquele ser que crescia em mim. Ter meu segundo filho se tornou um desejo, uma opção. Eu não abortaria, hoje estou certa disto. Mas não me dou o direito de condenar quem o faça. Prefiro um aborto feito em condições básicas de higiene e segurança do que um recém-nascido morto após ser atirado, num ribeirão poluído, pela janela
. E também acho injusto com a própria criança que ela seja alvo de agulhas de tricô ou de comprimidos clandestinos de Cytotec. Sem falar no ônus que gera para a saúde pública tratar as seqüelas destas tentativas de aborto, muitas vezes mal sucedidas e que acabam comprometendo a saúde do futuro bebê.

Por fim, para aumentar os índices de adoção, o remédio é bem mais simples. Basta descomplicar. Milhares de homens e mulheres, em plenas condições sociais e emocionais, esperam um filho do coração. Já amam uma criança em suas vidas e, ao contrário do que se alardeia por aí, não esperam que ela seja branca e recém-nascida. Eu conheço pelo menos três casais de amigos nesta situação. E meu círculo de amizades nem é tão grande assim.

O que acho que este projeto de lei, se aprovado, vai fazer é superlotar as maternidades, os conselhos tutelares e os orfanatos. Vamos criar um problema ainda maior, uma vez que não temos estrutura para abrigar estas crianças enquanto a burocracia pela adoção acontece – e elas crescem. E pior: acho que a nova lei pode criar um precedente mais absurdo ainda. Se chego à conclusão de que não tenho condições de criar meu filho de 7 anos, também posso entregá-lo livremente para adoção?

Filho não se dá. A eles, nos doamos. Amamos, respeitamos, ensinamos valores, no intuito de realmente estar formando os cidadãos do amanhã. Para que nas gerações futuras um assunto deste porte não seja nem cogitado.

5 comentários:

Grilinha disse...

Amiga, pela primeira vez oiço falar nisto.

Custa a crer que a burocracia impeça tantos casais de adoptar com rapidez, pois um bebé não deveria estar um dia sem o cuidado essencial de uma figura paternal. Por aqui parece-me que se passa o mesmo. Demoras demasiadas na adopção.

Eu concordo com o principio do parto anónimo...mas deveria ser feito um grande esforço no sentido de não existir demasiada borucracia.
Qualquer coisa é preferível a um bebé no caixote do lixo.

Fico curiosa de saber os resultados do projecto.

Beijo

Greice disse...

Dinha amada, desta vez estou do lado contrário ao seu... (só na teoria, tá, na prática estou do seu lado sempre).
Mas eu sou defensora do parto anônimo sim. E das mães poderem entregar seus filhos em santa casa, abrigs, etc... Concordo muuuito sobre planejamento familiar, acho que falta investimento nessa área e isso me revolta sobremaneira. Mas enquanto isso, não dá pras mulheres ficarem fazendo abortos, jogando bebês em lagoa ou criando de qualquer forma, até que o juizado de menores tome a criança aos 5 anos, quando o trauma já foi feito e dificilmente tem cura. Tem tantos pais esperando um filho do coração, e essas crianças seriam tão bem vindas! Lógico que tem que ser desburocratizado, concordo nisso também. Depois que comecei a participar um pouco no orfanato que ajudo, me dá uma revolta ver aquelas crianças judiadas, que foram tiradas de casa aos 3, 4, 5 anos. Penso que se tivessem ido pra outro lugar (ainda que um abrigo) quando bebês, isso teria sido evitado...

Desculpa se está meio confuso, é o sono. Te amo e amo como você defende seus ideiais, ainda que diferentes dos meus...

beijos

Ju Steck disse...

Dinha, concordo com vários pontos do seu post, como a necessidade de tornar a adoção menos burocrática (claro, sem deixar de haver cuidados), mas no caso de uma gravidez indesejada, prefiro o parto anônimo (que não deixa de ser um respeito à vontade da mulher de não ser mãe) ao aborto e, como você citou, a um recém-nascido morto após ser atirado, num ribeirão poluído, pela janela.

Anônimo disse...

Dinha querida, discordo de você.
Acho que você tem toda a razão quando fala em necessidade de investimentos em planejamento familiar e na necesidade de desburocratizar o processo de adoção.
Mas em nenhum momento a aprovação da lei do parto anônimo diz que isso substituirá o planejamento familiar. Uma coisa não prescinde as outras.
E também concordo com você que se o aborto fosse discriminalizado talvez a lei fosse desnecessária.
Mas o fato é que aborto no Brasil é crime e a polêmica em torno da questão me diz que estamos muito distantes de aprovarmos um projeto de lei que o discriminalize.
Nestas circunstâncias, acho a lei do parto anônimo um "second best" como dizem os economistas.
E também não consigo enxergar uma relação direta entre a lei e o aumento de gestações indesejadas. Duvido que alguém vá ficar mais irresponsável, com chances de enfrentar uma gravidez por nove meses e todos os dramas psicológicos que a acompanham, apenas porque poderá fazer o pré-natal anominamente e entregar a criança para a adoção imediatamente.
Acho que a lei atingiria os casos já existentes hoje, em que o planejamento familiar falha ou inexiste, as mães não querem enfrentar um aborto clandestino, mas também não querem e não desejam a criança. Potencialmente evita sim maus-tratos e casos de crianças abandonadas. E acho que ajudará também milhares de gestantes adolescentes que passam meses escondendo a gravidez da mães e abdicando de um pré-natal por conta disso.
Concordo com você que filho não se dá, mas esse não é um pensamento unânime.
Bjs e apesar da discórdia continuo sua fã incondicional viu?

Claudia disse...

Dinha, discordo de vc, minha querida. Também sou a favor do aborto, mas tb acho que o parto anônimo irá evitar que essas crianças abandonadas morram, em lixões, ribeirões e sabe mais onde poderão ser jogadas. E acho que poderá sim facilitar a adoção, é claro, que a burocaria é grande, mas isso é um outro problema. E quanto à educação sexual, planejamento familiar, é claro que deve haver investimentos governamentais nesse setor, mas também é claro, que essas coisas levam tempo, que é difícil mudar a mentalidade das pessoas, enfim, acho sim que o parto anônimo pode ser uma saída positiva.
Beijos lindona! E beijos nos "nossos" príncipes.