domingo, 26 de agosto de 2012

Maternidade perfeita


Eu evito entrar em polêmicas. Mas tem horas que simplesmente não consigo me calar. Numa época em que a liberdade de expressão é tão alardeada, eu não agüento ver o que na verdade é tão somente a opressão digital. Nas redes sociais, se convocam militantes para determinadas opiniões. E aqueles que discordam são massacrados em IP público! São excluídos, xingados, tachados de retrógradas. E, como sempre, é a mulher (especialmente aquelas que optam pela maternidade) o alvo mais frequente.

Pois eu me irrito profundamente com as defensoras ferrenhas do parto domiciliar como a única possibilidade de uma maternidade plena. A minha opinião é a de que a medicina não é vilã. É aliada (ainda que erros médicos ocorram, mas ainda credito isso à inerente falha humana).

Na minha primeira gravidez quis muito o parto natural. Era meu sonho de consumo baseado nos relatos de minha mãe, que me ganhou, primeira filha, num parto vaginal facílimo, rápido e praticamente indolor. E que teve meu irmão numa cesárea de emergência que lhe causou infecções, dores e a necessidade de outras cirurgias reparadoras ao longo da vida. Mas não foi possível. Meu útero simplesmente não dilatou, nem com o uso de ocitocina e uma espera de horas, permitido dentro da segurança médica, pela obstetra para me mostrar que não, eu não conseguiria parir naturalmente. Yuri veio ao mundo de cesárea. Nasceu lindo. E poucas vezes soube de um bebê mais tranqüilo do que ele. Não chorava. Não sofreu de cólicas. Era sempre muito calmo e feliz.

Na gestação do Caio, eu já esperava naturalmente por uma segunda cesárea. Que me foi negada pela equipe médica de emergência que me atendeu com rompimento total de bolsa, porque a gravidez não tinha ainda 34 semanas como “manda” as cartilhas médicas. Entrei eu e o bebê em sofrimento e uma angustiante espera de 3 dias. Caio finalmente veio ao mundo de parto normal. Quase morto. Cianótico, não chorou. Descrito como negro na sua declaração de nascido vivo. Foi esta falta de oxigenação prolongada que lhe causou a lesão cerebral que comprometeu sua vida para sempre.

E aí eu pergunto: valeu à pena? Porque eu não sou uma estatística mínima. Cerca de 90% dos casos de paralisia cerebral são decorrentes de problemas no parto ou logo após ele. Somente 10% tem relação com má formação fetal ou alguma doença congênita no bebê. E ainda que eu fosse uma estatística mínima, o meu sofrimento de mínimo não teve nada. Caio, hoje tenho plena consciência, é uma benção em minha vida. Mas que me foi dada a custo de muitas lágrimas, muita dor, muita luta.

Yuri foi amamentado no peito por um ano. Exclusivamente no peito por 6 meses, como reza a cartilha da mãe perfeitinha, sem conhecer água ou chás neste período.

Caio não pôde receber leite materno em seus primeiros dias. Depois, só por sonda. Perdeu o reflexo da sucção e logo adotou a mamadeira. Num esforço que só mãe faz ainda consegui dar meu leite mais complemento por 3 meses. Depois, mamadeira direto. E como recebi críticas por isso! “Ele é prematuro! Precisa ainda mais do teu leite!” Não brinca? Nem tinha percebido...

Eu acho que parto e amamentação são momentos lindos. Mas são somente uma pequeníssima parte do que realmente é a maternidade. Acho que Yuri foi uma criança doce, tranquila e feliz, mesmo que tenha vindo ao mundo através de um bisturi que abriu meu ventre. Veio ao mundo muito amado, recepcionado com abraços quentes de um sentimento verdadeiro. E assim foi criado.  Caio é um menino que cativa pelo sorriso, pela alegria de quem também se sabe amado. O leite dado via mamadeira, mas com o amoroso contato olho no olho e aquele bater de coração de mãe que ele podia ouvir sempre... ele sabe o valor que teve!

Ou seja: tenho dois filhos lindos, sadios, equilibrados, criados num ambiente de amor. Embora minha trajetória como mãe de ambos tenha sido exatamente oposta. Por isso, fico pra morrer quando vejo julgamentos tão severos a respeito da conduta de nossas semelhantes, outras mulheres, frente ao parto e amamentação. Cada um vai do que jeito que pode, do jeito que dá conta. A história que temos para construir com nossos filhos é para uma vida inteira. Acho cruel essa exigência da maternidade perfeita, personificada em parto natural e amamentação exclusiva. Pra mim, maternidade perfeita é aquela exercida com o coração. Com muita vontade de acertar, por amor incondicional àquele serzinho que acabamos de trazer ao mundo, mas sabendo que vamos falhar. E que isso não nos torna carrascas. Só faz de nós o que somos: humanas.

Eu sofro por cada jovem mãe que se deixa cair nesta neura de perfeição da “naturalidade”. Natural é o vínculo que devemos criar com nossos filhos. Não imposto pela opinião da moda, das antenadas, mas pela nossa real possibilidade. Deu pra parir naturalmente? Excelente! Não deu? Que venha com saúde! Amamentação exclusiva? Perfeito! Complemento e mamadeira? Faça da amamentação, do jeito que for, um momento de amor, esta é a vitamina realmente necessária.

Eu cada vez mais tento vestir a camiseta da não-culpa. Faço o meu melhor como mãe. Às vezes erro tentando acertar. Mas perfeita não sou, nunca fui, não ambiciono. E saber disso, tira também dos meus próprios filhos uma carga que eles não merecem. Temos uma vida inteira, muito além dos brevíssimos momentos do parto e amamentação para exercermos nosso aprendizado de amor mútuo. Como dizem por ai: fica a dica.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um lugar para a infância


Eu sabia da existência de um espaço com brinquedos adaptados a cadeirantes num parque muito freqüentado em minha cidade. Mas, pelas correrias de sempre, ia protelando o momento de ir conhecer com o Caio. O pipocar de fotos de playgrounds adaptados no Facebook atiçou ainda mais a minha curiosidade. Pessoas de todo o Brasil e, até mesmo da minha cidade, clamando por um lugar assim para nossas crianças brincarem. E aí eu percebi que privilégio que temos, já que Caio e eu temos um lugar assim, bem pertinho da nossa casa. Passada a pneumonia, usamos uma linda tarde de sol como motivação para fazermos um piquenique e desfrutar de todos os espaços do nosso Capão do Corvo.



Já fui lá em outras ocasiões e é sempre uma delícia. Caio adora o contato com a natureza, colocar os pés na grama, pegar plantas com as mãozinhas. Mas, desta vez, meus focos eram os brinquedos.

Eu, com síndrome de gata escaldada, me aproximei com receio do gira-gira adaptado, onde várias crianças sem deficiência brincavam e pulavam. Imaginei que a presença do Caio e sua cadeira de rodas iria constrangê-las e elas talvez esvaziassem o brinquedo. Graças a Deus que o preconceito vive é na cabeça dos adultos (até mesmo na da mãe de um cadeirante). As crianças não só abriram espaço para ele, como começaram a puxar conversa, perguntando o nome dele, perguntando se poderiam lhe fazer carinho... O que vi foi a sequência mais linda de inclusão na sua essência mais pura. Naquele momento Caio se tornou tão somente mais uma criança a brincar! Riu muito, se segurou nas laterais do brinquedo com as demais! E o pai que girava o brinquedo achou melhor rodar mais devagar, mas eu afirmei que poderia fazê-lo normalmente. E Caio adorou! Eu, confesso, fiquei enjoada ao ver aquela roda girando velozmente... Caio gargalhava! E eu tive que usar toda a minha força pra não chorar ali na frente de todos...







Depois, fomos ainda ao balanço adaptado. E, novamente, ele brincou. Simples assim.






Muito bom saber que isto é possível. Torço para que esta iniciativa, do vereador Dario Silveira (PDT Canoas) chegue a mais lugares – preferencialmente a todas as praças da cidade. Um lugar onde a infância tem seu espaço respeitado. Onde não é preciso clamar por acessibilidade ou inclusão, porque todas as crianças se fazem iguais em seu direito de brincar e serem felizes.

Nós, agora, vamos “virar fregueses”.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A pneumonia e a lição de humildade


Um dos motivos do meu afastamento foi também que Caio teve pneumonia. Num inverno que tem sido muito atípico, nossos pampas oferecem temperaturas com variações de mais de 20 graus numa única semana. E aí que meu filhote andou no ritmo de um antibiótico por mês desde maio. É amigdalite, é faringite, é todo tipo de ite que nosso inverno gaudério permite. E culminou com a pneumonia, diagnosticada após uma crise convulsiva punk no dia 04 de agosto. E sim, pra contrariar meu post anterior, eu desci ao inferno e me enchi de medo (na verdade foi pânico) e me superlotei de culpas.

Como assim pneumonia? Meu filho NUNCA teve pneumonia! Eu sempre cuidei muito bem dele. Protejo de mudanças bruscas de temperatura. Não o exponho. Troco-o seguidamente de posição. Faço as sessões de fisioterapia regularmente. Onde errei? Onde fui negligente? Que m* de mãe eu sou?

Sim, tudo isso me passou pela cabeça e eu quase pirei. Mas aí tive a querida pedi Jaqueline e a primeira fisioterapeuta do Caio, a Thaís, me socorrendo: essas coisas simplesmente acontecem! E lembrei que Yuri também teve pneumonia, aos dois aninhos, justamente no primeiro inverno que voltei a trabalhar fora depois da gravidez dele. E eu me lembro que não me culpei tanto naquela vez... (Nota mental: preciso aprender a controlar a dramaticidade quando se trata do Caio). Mais: tá aí Yuri, lindo, forte e vendendo saúde e rendendo cabelos brancos à sua mamãezinha, todo serelepe aos 12 anos.

E todo esse papo pra quê, se já passou, se Caio ficou bem? Porque este episódio me serviu pra uma lição muito importante. Eu não controlo tudo. Na verdade, eu controlo muito pouco. E Deus me deu esse puxãozinho de orelha pra relembrar. Porque eu sempre digo que a gravidez do Caio não foi planejada. Não foi planejada por mim. Foi planejada por Ele para mim! E assim é sempre. Deus é que está no comando. E as coisas acontecem. Não porque erramos, nem porque falhamos, nem como castigo. Acontecem. Para que cresçamos. Para que tenhamos experiência. Para que conheçamos a vida e os sentimentos em todas as suas facetas.
No início, ele tava tão fraquinho...
Matando a saudade de Thaís em sessões domiciliares de fisio respiratória


Esse sorriso custou dias a voltar...

Dia da alta: pronto para novas aventuras!

Foi-me servido um balde de humildade. Sou a melhor mãe que posso ser. Mas não sou perfeita, nunca vou ser. E não devo exigir isso de mim. E muito menos julgar outras mães, cujos filhos adoecem com mais facilidade. Não tem a ver com como cuidamos, nem com dedicação, nem com amor. Doenças tem a ver com vírus, bactérias e com acontecimentos que simplesmente fogem ao nosso controle.

Fiz o que pude, conseguimos tratar o Caio em casa, contratamos a Thaís que fez sessões domiciliares de fisioterapia respiratória e ele logo respondeu. Perdeu 2 quilos, o que corresponde a 12% do seu peso. Mas está novo pra luta outra vez. E eu junto. Sabendo que sempre é oportunidade de aprender.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Vida que segue


Eu me cobro porque não tenho sido assídua aqui no blog. Sinto que ainda tenho coisas a compartilhar e que, às vezes, se perdem na correria natural do dia-a-dia. Mas eis que de repente, começo a ver a coisa sob outra ótica.

O Meus Frutos nasceu especialmente para compartilhar minhas angústias, medos, dúvidas, ao descobrir que meu filho tinha paralisia cerebral. Antes dele, eu tinha um blog que iniciou como os textos de uma redatora frustrada no exercício da sua profissão. Que foi pega de surpresa por uma gravidez não planejada que virou a tônica do blog. E que mudou radicalmente o foco ao entender, finalmente, que meu menino era sim, deficiente. E aí surgiu o Meus Frutos, cheio de fé, mas cheio de incertezas e curiosidades, buscando caminhos a trilhar.

Tenho muito, muito carinho mesmo por este cantinho e por como ele mudou minha vida com amizades, com troca de experiências e com o amadurecimento compartilhado com outras histórias. E então me pego vendo que o foco está outra vez mudando. Os Frutos crescem, amadurecem e vamos aprendendo a saboreá-los.

Disse isso dia desses pra minha ex-terapeuta reencarnacionista: se eu acho que existe um assunto bem resolvido atualmente na minha vida é a minha relação com o Caio. Ou melhor, com a condição do Caio. Entendi, aceitei, processei internamente como as coisas são. Não foi fácil, não foi da noite pro dia. Só de blog já vão exatos 7 anos... Mas hoje não me vejo mais tendo as angústias existenciais de outrora. Como vai ser? Seremos capazes? Seremos felizes? Hoje sei que sim, como qualquer experiência que nos está destinada na vida, vamos conseguir seguir. Isso não significa que eu esteja 100% resolvida. Acho que insegurança faz parte das relações humanas, faz parte de cada indivíduo. Não tenho uma fórmula pronta de como criar o Caio para a vida, mas então me dou conta de que esta fórmula também não existe para Yuri, meu outro filho, não deficiente, mas testando toda a minha capacidade de adaptação agora que a adolescência chegou com tudo.

Ainda tenho medo de perder o Caio, ainda gostaria de uma cura pra epilepsia, ainda sonho com uma melhor reabilitação motora que o ajude a se comunicar melhor, talvez sentar sem apoio, quiçá andar. Mas soube desvincular minha felicidade destes objetivos sonhados. Meu objetivo maior é ser e fazê-lo feliz HOJE. Na condição em que ele está. O que, para uma pessoa thunder ansiosa como eu, é um passo gigantesco.

Acho que o diferencial é que consegui compreender que também tenho medos e incertezas sobre como lidar com meu filho adolescente, em como direcionar minha vida profissional e financeira, minhas amizades e relações pessoais... Assim é sempre. Como eu costumo brincar, se não houvessem essas dúvidas existenciais, eu já não precisaria estar mais nesta dimensão. 

E também aprendi que as coisas são assim. A epilepsia não é mais novidade. As crises imunológicas também não. Ou seja, aprendemos a lidar com as coisas "ruins", sem precisar sair alardeando cada momento de crise. E o mesmo também vai acontecendo com as coisas boas. Na escola, por exemplo. Este, que é seu segundo ano, não tenho detalhado tanto. Porque embora ainda me apaixone e me encante pelo trabalho maravilhoso de inclusão que está sendo feito, já não é mais novidade. Esta é, com suas dificuldades e alegrias, simplesmente a nossa vida. Exatamente do jeitinho que ela é ou está agora.

Então decido que vamos vivendo e aproveitando um dia de cada vez. E os problemas de hoje, deixaram de ser o foco. Ainda tenho a cabeça fervilhando de planos e ideias, mas eles não me angustiam. Me motivam a acordar amanhã.

Sei que ainda tenho o que compartilhar. Sei que haverão os momentos de choro, de pedir colo, de solicitar a ajuda dos universitários. Mas a lição mais importante deste meu sumiço, talvez seja esta: a vida voltou para o seu eixo. E a vida é urgente. Quando dá, a gente corre pra cá e compartilha. Ou então, vamos apenas vivendo.

Beijo grande, obrigada a todos que permanecem por aqui.
Amor,
Dinha