segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Nossa Senhora das Lágrimas

Conversando no Facebook este final de semana com a sobrinha do meu compadre Edson, ela me conta que neste final de semana teve no município do Caraá (ao lado de Santo Antônio da Patrulha, RS) a festa de sua padroeira, Nossa Senhora das Lágrimas. E foi em lágrimas que me vi ao ser levada para um dia muito triste, apreensivo, mas também de muito amor e solidariedade.

Era o dia 20 de maio de 2005. Caio tinha apenas três dias de vida mas os médicos já me apontavam uma chance mínima de sobrevida, devido a sua infecção generalizada. Eu sozinha, marido na Europa, família toda longe achando somente que ele tinha nascido um pouco antes do tempo (coisa que aliás, eu também acreditava), preocupada com meu Yuri, naturalmente fragilizada pelo difícil trabalho de parto recente... E aí me falam que as chances do meu bebê sobreviverem eram quase zero. Óbvio que o desespero tomou conta de mim.

Então um telefonema. De amigos muito especiais, constantes. Que ligavam pelo menos duas vezes ao dia pro meu celular para saber como eu estava, como estava o bebê, se eu precisava de algo. Meus amados Janaína e Edson. A Jana é minha irmã de alma, não tenho a menor dúvida disso. E o Edson, seu marido, também é uma pessoa espetacular, de grande coração e caráter. E eu contava meu desespero à minha amiga, quando acho que ela não conseguiu conter a emoção do choro e passou ao Edson. E ele me perguntou o que estava acontecendo, eu relatei, chorando muito e falando que não queria perder meu filho. Do outro lado da linha, meu amigo também se emociona e chora. E me diz para me manter firme, com fé. Que ele iria pedir à Nossa Senhora das Lágrimas pelo "nosso" Caio. Que ela era uma santa muito poderosa e generosa, que haveria de nos atender. Mais: ele fez uma promessa, pela saúde e vida do Caio.

O resultado desta fé e desta promessa vocês conferem aqui, quase 7 anos depois.

Mas me emocionei demais ao relembrar tudo isso.

Eu já os tinha escolhido como padrinhos do meu novo filho, mas eles ainda não sabiam. Por alguma superstição tolinha herdada da minha mãe ou vó, eu só convidei os padrinhos dos meus dois filhos após o nascimento de ambos, embora a escolha tivesse sido feita logo após o positivo do teste de gravidez ou até mesmo antes (dinda Gabi sempre foi a dinda do meu primeiro filho, antes mesmo dele ser concebido). E eles já o amavam esse tantão. E eles estiveram ao meu lado quando não parecia haver ninguém mais. E eles me deram amor e lições de fé e emoção. E são os melhores padrinhos que o Caio ou qualquer outra criança poderia desejar. São também os melhores amigos que a vida me deu, não ouso errar neste juízo.

Amanhã é dia de Nossa Senhora das Lágrimas.
Uma das santas a quem devo as alegrias e a vida intensa no seu sentido mais bonito que meu Caio me proporciona há quase sete anos.


Reverencio esta santa.
Reverencio a fé.
Reverencio a amizade.
Reverencio o amor.
Obrigada por tudo isto, Pai Maior.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Inclusão escolar existe. Eu vi!

Hoje escrevo um post um pouco diferente. Também para os queridos leitores dos Meus Frutos, mas especialmente para todos os pais de crianças com deficiência do Brasil. Eu queria que chegasse a cada um que nosso sonho não é impossível. Quero lhes contagiar, encorajar, chamar para se juntar a nós. A inclusão na escola existe! Aquela mesma que a grande maioria me disse ser tão utópica quanto os contos de fadas infantis... Eu vi, eu vejo todo dia. E quero que vocês saibam disso.

Meu Caio tem paralisia cerebral tetraespástica, devido a erro médico na hora do parto. Aos 6 anos, não fala, balbucia apenas algumas sílabas com significado. Não anda, não senta sem apoio, não segura a cabeça. Tem crises convulsivas focais e do tipo ausência com freqüência. Toma três anticonvulsivos contínuos diariamente. Tem forte intolerância alimentar a uma série de comidas corriqueiras, como arroz, banana, leite. Usa fraldas e toma leite de soja na mamadeira. Não se alimenta sozinho.

Este foi o quadro apresentado à sua futura monitora, quando da inscrição dele numa escola regular de educação infantil (Jardim). Ela, funcionária da prefeitura de Canoas, RS, com mais de 20 anos de prática com crianças e capacitada através de curso de inclusão a receber alunos com necessidades especiais. Mas nunca tinha acompanhado uma com PC. Nunca um cadeirante. Era um desafio. Ela quase não aceitou, achou que a responsabilidade era demasiada. Não saberia se comunicar com “uma criança dessas” (palavras dela, ela me contou ao término do primeiro ano do Caio na escola). Ah, mas ela soube. E deu show!
Primeiro dia de aula: maio de 2011, os colegas todos se aproximando para se apresentar ao Caio

Como toda mãe, eu queria a melhor escola para meu filho.
A exemplo do que fiz com meu primogênito, Yuri, 11 anos, pensei primeiro nas particulares. Imaginei que em ambiente socioeconômico mais elevado meu Caio sofreria menos preconceito. Mas nenhum dos lugares que visitei ou conversei me pareceu realmente preparado. Não cheguei a ouvir uma negativa formal, mas as reticências me soavam tão repulsivas quanto.

Por insistência de minha mãe (ah, as sabedorias de mãe!), fui visitar a escola municipal do meu bairro. A melhor de todas as soluções, a dez minutos de nossa casa, sem necessitar de transporte adaptado. Mas aí, eu esbarrava no MEU preconceito. Era uma escola pública. Mais do que isso, pobre. Num bairro de subúrbio, com fama de violento. Definitivamente não era o que eu queria para meu filho.

Mas foi lá, no primeiro momento, que já senti tudo diferente. Ao conversar com a diretora, Claudia Pinheiro, muitas perguntas, normal, mas nenhum espanto aos meus relatos. Muita sinceridade também, ao me relatar que jamais tinham atendido um caso de inclusão tão “complexo”, mas que se fosse autorizado pela Secretaria Municipal de Educação, abraçariam esta missão com amor e afinco.

E foi isso que se sucedeu, durante os sete meses (de maio a dezembro de 2011) que Caio freqüentou o Jardim A. Todos aqueles relatos de crianças incluídas só no papel, de preconceito velado, que tanto me amedrontaram, viraram fumaça. Eu sei que demos a sorte grande. Mas isso só mostra que é possível. Que existem profissionais comprometidos com a educação de verdade e seres humanos comprometidos com a igualdade.

Brincando na pracinha com seu amigo mais constante: o anjo Gabriel

Passeio à Mostra de Arte comemorativa ao aniversário de Canoas

Caio se adaptou maravilhosamente. Chorava quando não ia à escola. Se integrou à turma rapidamente. Jamais deixou de fazer um passeio, de participar de uma atividade sequer. Lembro sempre do episódio da Oficina de Fandango (uma dança típica do Rio Grande do Sul), durante os festejos de nossa Semana Farroupilha, a semana do tradicionalismo gaúcho. Eu me peguei perguntando espantada à professora e à monitora, quando elas me pediram para assinar a autorização para o passeio: “Fandango? Mas ele é cadeirante!”. Eu vi barreiras. Elas não. Caio passeou, curtiu a música, o Parque de Eventos e, sim, dançou fandango, emocionando a todos que puderam assistir.

Caio dançando fandango, sim!
Caio foi ao parque, plantou, brincou de massinha, usou fantasias, pintou, fez piquenique com os colegas, participou do desfile cívico de 7 de setembro, se apresentou com dança e música junto aos colegas, foi convidado para sua primeira festa fora do círculo familiar!!! Caio foi criança como as outras e feliz como nunca! Teve convulsões, inclusive na própria escola, teve dias em que não pôde ir. Nunca foi visto como diferente ou especialmente como coitadinho por ninguém. Os colegas aprenderam logo que simplesmente era o “jeito dele” não andar ou precisar tomar certos remédios em determinada hora.

Plantando...

Primeiro desfile cívico - parece que sempre tinha feito isto
7 de Setembro
Festa do Dia das Crianças feita com rifas no valor de 10 reais
A professora e a monitora se interessaram ao máximo, foram atrás de livros, conversaram com os profissionais da ACADEF, onde Caio faz suas terapias de reabilitação. E fizeram, por conta própria, cursos adicionais de inclusão e sobre paralisia cerebral. Abriram mão de suas noites de descanso e de alguns sábado de folga para aprender a lidar ainda melhor com meu filho.

Descobrindo o mundo (literalmente) em passeio ao Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS
Ele levou mais música - uma língua universal - à turma
Grande emoção: Caio também era o ajudante do dia!
Ao se aproximar o término do ano letivo, a diretora, professora e monitora vieram conversar comigo. Acharam que Caio cresceu muito, começou a desenvolver melhor a fala, quer se mostrar autônomo tentando comer ou escovar os dentes com sua própria mão, como fazem os demais colegas. Que ele é inteligente, mas seria melhor se ele pudesse ficar mais um ano na educação infantil, justamente para ele amadurecer essas aptidões que despontaram em seu primeiro ano. Achei bárbaro. Foi a prova final do seu envolvimento com ele e com a educação de qualidade. Porque seria muito cômodo (e até natural) elas me dizerem que já tinha feito sua parte, já tinham lhe acolhido no Jardim, agora era hora dele ir adiante. Mas não. Fizemos juntas – eu e escola - um parecer e um pedido à SME que ficou em discussão por mais de dois meses. Lutaram junto comigo para ficar com ele mais um ano, apesar dele já ter 6 anos, o que por lei, lhe determinaria ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental. Mas elas acham que Caio pode – e deve – ir para o primeiro ano melhor preparado. E é o que vamos fazer, agora em 2012. Caio vai ter material escolar adaptado, tem metas de conquistas motoras e avanços pedagógicos. Já me puxaram as orelhas que elas vão ME ajudar no desfralde dele, que ele já demonstra há tempos estar pronto para. Isso é parceria de verdade.

Caio com a monitora Carla Tavares e a professora Eliane Souza, na festa de Natal

As aulas reiniciaram agora no início de fevereiro e foi uma beleza! Caio não estranhou nada. Ao contrário, estava estranhando o marasmo das férias! Voltou com a memória plena de todas as rotinas escolares, curtindo cada tarde que passa lá. E eu fico feliz demais de ter deixado o meu preconceito de lado e ter matriculado ele na Escola Municipal de Educação Infantil Vó Corina, no bairro Guajuviras, em Canoas O bairro antes violento que hoje é conhecido como Território de Paz. O lugar onde a igualdade é mais simples. Sempre que tenho a oportunidade de falar com nosso prefeito, Jairo Jorge, digo para ele parabenizar cada funcionário da Vó Corina. Nós, especialmente quando temos um deficiente na família, temos a mania de teorizar muito sobre inclusão. E foi lá na escolinha do subúrbio que eu ouvi a frase que simplifica tudo: “Não é preciso haver inclusão, quando existe amor ao próximo”.

Muro da EMEI Vó Corina - Canoas - RS

Fica a dica para todos os pais e cuidadores. A inclusão existe. Às vezes ela pode estar no lugar que nos parece mais improvável. Mas ela é linda, inconfundível. Não duvidem nunca de que vocês também podem encontrá-la.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A primeira vez, outra vez

Então que Caio, como milhões de crianças no Brasil nesta época do ano, voltou às aulas. E o que achei que EU ia tirar de letra, que seria fichinha, não foi. Mas ele, mais uma vez, deu show e me deixou mais uma lição.
 
Fiquei com medo dele estranhar. Com medo dele ter “esquecido” da rotina, dos horários fixos, das atividades ordenadas. Quem sabe, até mesmo, estranhar os novos colegas, visto que da turminha do Jardim A, somente mais três permaneceram com ele.
 
Mas eis que chegou o dia (na verdade as aulas reiniciaram na segunda-feira, porém ele só pôde ir ontem). E o sorrisão na ida já dava a dica. Ele chegou e parece que não tinham se passado 45 dias. Sorriu no portão. Brigou com a tia Joana e mostrou a língua pra ela. Se desmanchou com os carinhos da coleguinha Fernanda. E bateu as pernas alegremente ao entrar em sua sala, agora o lindo Jardim B.



Eu, a mãe superprotetora, confesso: passei a tarde apreensiva. E se ele chorasse? E se quisesse vir embora? O telefone aqui de casa tocou duas vezes. E em ambas, eu pensei, é da escola. Não era. Para mim, foi como se fosse a primeira vez dele na escola, outra vez.
Cheguei para buscá-lo minutos antes da abertura dos portões.
 
E o que vi foi um menino muito, mas muito feliz.
Que fez tudo igualzinho ano passado. Me chamou de mamã quando me viu, sorriu e começou a distribuir beijos de tchau. A professora e a monitora me relatam que ele passou a tarde super bem, como se realmente não tivesse havido todo este intervalo de férias. Comentaram que todas as crianças estão difíceis de lidar, “desregradas” com a rotina escolar e que isso é normal. Mas Caio não. Ele passou a tarde sorrindo e tentando conversar. Olhando todos os detalhes de cada ambiente, reconhecendo-os e ficando ainda mais alegre e interativo, segundo me contaram. E foi com este sorriso largo, de orelha a orelha como classifiquei, que ele voltou para casa.

Penso que às vezes subestimo meu filho.
Achei que ele não teria esta “memória”. Que talvez não fosse capaz de criar vínculos tão fortes com pessoas ou ambientes que não lhes fossem familiares. E aí descubro que, igual qualquer criança, Caio passa a ter mais de um ambiente familiar. Um que não é a casa, que não é a terapia. Um ambiente onde ele tem amigos, professoras, aulas, brincadeiras, regras. Onde ele tem sua vidinha própria, completamente independente de mim.

Não sei dizer se o que sinto hoje, ao recomeçar ou começar esta nova etapa, é emoção, é felicidade ou é gratidão. Ao lembrar de tantos relatos tristes e decepcionantes sobre a inclusão na educação, eu vejo que ela é possível. Relembro o que eu já tinha descoberto ano passado, nesta mesma abençoada escola: ela, a inclusão, existe mesmo!

E já vou me preparando, o primeiro dia foi só uma amostra.
Caio vai para a escola e quem tem um mundo de coisas novas a aprender sou eu.