segunda-feira, 18 de março de 2013

Lado B - de Bom

Iniciamos a terceira semana de aulas do Caio nesta segunda. Se ainda não é a inclusão dos meus sonhos, posso começar a ver o lado B, que sempre existe. O lado Bom, aquele que, no momento da decepção parece não existir. E, para não ser injusta com o momento que vivemos, compartilho dele agora.

Caio sente-se cada vez mais "em casa". Acredito que, como em qualquer criança, ele estranhou a mudança - de ambiente, de colegas, de profes, de rotina. Mas, tirou de letra. Realmente, esta é uma opinião ISENTA de mãe: Caio é extremamente sociável, fácil, dócil. Já é possível ver o quanto ele se sente acolhido pelos novos colegas. E é isso que acontece e ainda me emociona - a criança é um ser muito mais aberto. Os novos amigos o vêem, em sua grande maioria, com muita naturalidade. Claro que pesa o fato de já termos na escola Thiago, outro pc cadeirante, agora aluno do segundo ano. Mas as crianças costumam ser amorosas, gentis, interessadas. E Caio capta isto. E fica feliz.

A resistência maior, não é novidade, vêm dos adultos. Dos que têm medo. Dos que desconhecem a paralisia cerebral e suas implicações (ou suas não-complicações... rsrsrsrs). Dos que, sim, infelizmente, têm preconceito. Mas, sinceramente, eu também não me preocupo com eles. Fará parte. Sempre. Não tenho esta utopia. Caio terá que conviver com pessoas assim, também. O que idealizo é que elas sejam cada vez mais, minoria inexpressiva. Semana que passou ainda, ouvi de uma funcionária de que eu não precisava levá-lo à escola para alfabetizá-lo. Que outras instituições cumpriam este papel. Nem pensei em argumentar. O assunto entrou num ouvido e saiu no outro, com rapidez. Não tenho a pretensão de mudar certas mentalidades.

Aposto mais é neste futuro. Nos colegas Victor, Matheus, Michelângelo, que já disputam quem vai ser o ajudante do Caio. Quem vai guiar sua cadeira, ajudá-lo com as tarefas manuais. Aposto na colega mais tímida, que quer compartilhar sua bolacha na hora do lanche. Na menina que gosta de lhe alisar os cabelos. Nos colegas de outras séries que vem conversar comigo e elogiam seu nome. Nos pequenos que se oferecem para levar algo - mochila, mesa, quando precisamos subir a cadeira ao segundo andar, via escada.

Estamos conseguindo fazer Caio presente tanto nas aulas quanto nas oficinas. E ele está cada dia mais entrosado. Acho que ainda pesa o fato dele ficar tanto tempo na cadeira de rodas, acho que ele cansa, não é acostumado. Aos poucos, vou conversando e explicando que ele não é de cristal, não quebra, pode mexer nele. Ansio pela chegada da monitora, talvez nossa grande aliada neste processo de desmistificar a paralisia. Me aproximo de alguns professores e profissionais realmente especiais, que visualizam a inclusão como ela tem que ser: natural, abrangente, respeitosa à individualidade mas ao mesmo tempo ferramenta de aprendizagem coletiva. 

As ilusões, acho que quase não as tenho mais. Como eu dizia lá atrás, antes do Caio ingressar ainda na educação infantil, agora eu realmente sei que o caminho vai ser árduo. Mas ao mesmo tempo, tenho certeza absoluta de que, para quem estiver disposto a enxergar Caio além de suas limitações e apostar nas suas possibilidades, o caminho também pode ser dos mais fascinantes. É um novo grupo, são novas pessoas, lá vamos nós compartilhar experiências, exemplos e mostrar que sim, dá pra fazer.

Do meu nível gigante de autoexigência, já deixei de cobrar perfeição. Me dou o humano e natural direito de vez ou outra cansar, espernear, chorar. Mas, depois volto renovada pra batalha. Lembro da Carla, monitora do Caio no jardim, me contando entristecida que soube que um ex-aluno dela, autista e com deficiência visual foi abandonado pela família numa "clínica". Ela me conta que este sempre foi o grande sonho da mãe do menino: interná-lo permanentemente em alguma instituição. Acho isso de uma tristeza sem fim. Meu grande sonho para o Caio, todos já sabem, é vê-lo na faculdade. E penso que apesar das dificuldades, talvez pra gente o caminho seja mais fácil, pois já tivemos lindos precursores, como a Flávia, primeira advogada com paralisia cerebral do país. E tivemos também nosso conterrâneo gaúcho Eduardo, outro pc, que se formou em jornalismo apresentando uma inédita monografia gravada, sobre narrações esportivas, para que ninguém precisasse escrever o material por ele. Sonho que Caio também chegue lá. E Gabriel, seu coleguinha pc lá de Campina Grande, na Paraíba. E Brenda, e Thiago e muitos outros. Sonho com o dia que a inclusão seja tão corriqueira e natural que até mesmo deixe de ser notícia.  

Se sonhar alto pode trazer decepções, a ousadia de sonhar às vezes pode ser suficiente para tornar a própria existência mais inspiradora. Não faço de nossos sonhos metas obrigatórias. Faço deles combustíveis para que cheguemos cada vez mais longe. Ou onde tivermos que chegar. Mas que seja por merecimento.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Vakinha pela Equoterapia

Então que, por durante 6 meses, realizamos um dos sonhos mais desejados: a prática da equoterapia, no Centro Cavalo Amigo, na Hípica Porto Alegrense. Quem nos acompanha sabe que foi um sonho árduamente batalhado, pois é um tratamento caro, devido à complexidade de profissionais que o acompanham, todos devidamente especializados. O custo é de 800 reais mensais. Não dispomos de condições de arcar com ele, frente às despesas fixas do Caio com alimentação especial e medicação não padronizada. Durante muito tempo, o vídeo que fiz, em busca de apadrinhamento, rolou pela internet e emails, buscando uma Pessoa Jurídica que se interessasse em custear o tratamento. E conseguimos isto em agosto do ano passado. De setembro para cá, Caio teve acesso a um dos mais modernos e eficazes meios de reabilitação. Os progressos foram visíveis. Em tão pouco tempo (frente, afinal, há quase 8 anos de batalhas), conseguiu o tão sonhado controle de quadril. O pescoço, seu maior problema motor, começa também a se firmar. As pernas hoje fazem a marcha com cada vez mais segurança e agilidade. Caio ainda pode vir a andar. Mas não podemos interromper nosso tratamento.

Na Hípica pela primeira vez: controle praticamente zero do pescoço e quadril

Ao longo do tratamento: melhorias visíveis!

Quatro meses depois: sentado sozinho, sem apoio, em cadeira "normal"

Editei seu vídeo, atualizando com fotos dele no Cavalo Amigo. Falo dos progressos, explico as condições para que ele possa ser apadrinhado. Mas, enquanto este apadrinhamento não chega, resolvemos também inscrever nosso projeto no Vakinha.com. Nosso objetivo é angariar R$ 9.600,00 para garantir um ano de equoterapia. Caso, consigamos o apadrinhamento, de qualquer forma teríamos um fundo de reserva para manter o tratamento em casos emergenciais - como este agora, de cancelamento de contrato de patrocínio.

Não são poucas as vezes que me questiono o tanto que peço em nome do meu filho. Mas sei que existem pessoas dispostas a ajudar. Às vezes, querem ajudar alguém, algum projeto e não sabem por onde começar. O Centro Cavalo Amigo conta hoje com mais de 300 crianças inscritas para serem apadrinhadas para a equoterapia. É um tratamento que faz muita diferença na vida de quem o pratica. Na de Caio pode ser a diferença entre deixá-lo para sempre cadeirante ou lhe possibilitar andar! Me pergunto então, qual mãe não tentaria TUDO por uma chance destas. 

Sempre digo que meu compromisso maior com Caio é este: fazer tudo! Correr atrás. Quando ele for adulto, quero ter a tranquilidade de poder lhe dizer "filho, fizemos tudo que estava ao nosso alcance. Lutamos. Corremos atrás. O que tu conquistaste era exatamente o que tinha de ser, porque nenhum esforço deixou de ser feito."

A partir de abril agora, para Caio seguir na equoterapia precisamos desembolsar o valor. Ou conseguir outro padrinho. Os caminhos são esses.


ou



Como sempre, vamos à luta.
Agradecendo desde já os amigos que torcem, acreditam, compartilham de nossos ideais.
Deus abençoe a todos.
Amor.
Dinha & Caio

segunda-feira, 4 de março de 2013

Um difícil começo


Quase uma semana depois do início das aulas do Caio no Ensino Fundamental e eu confesso, ainda estou em choque. Estou triste. Doída. Revoltada. Mas se tivesse que resumir tudo a uma só palavra ela seria frustração.

Eu não sou uma alienada. Sei que a grande maioria afirma que a inclusão não existe porque, infelizmente, a grande maioria dos pais e alunos deficientes não a conseguem vivenciar plenamente nos seus cotidianos. Não achei que seria tudo perfeito, mas achei que seria mais fácil.

A escola do Caio fez uma reunião dia 20 de fevereiro na qual apresentou o novo formato para o ensino fundamental I (de 1º a 4º ano): o turno integral. Haveria uma professora condutora, a da “matéria” propriamente dita. Mas a alfabetização e os demais processos de aprendizagem seriam intercalados com oficinas diversas: meio ambiente, capoeira, informática, xadrez, línguas... Assim, seria possível avaliar em quais áreas determinadas crianças se destacavam mais ou tinham mais aptidão para desenvolverem suas potencialidades. Em princípio, muito interessante. Se funcionar.

Há 45 alunos matriculados no primeiro ano. A ideia é dividi-los em três ou quatro grupos. Enquanto um fica em sala de aula, os outros dois ou três participam de oficinas diversas. Depois de um período de 30-40 minutos, é feito um rodízio. Esta foi a teoria. Na prática, mil erros de percurso. Alguns por falta de organização. Outros, no meu ponto de vista, por pura falta de respeito.

O primeiro ano tem Caio e Brenda, outra cadeirante, com pc. O segundo ano tem Thiago, idem quadro. Thiago já aluno da escola. Começou com uma escolha que ninguém me fará compreender. As salas do primeiro e segundo ano estão localizadas no segundo andar do prédio. Que não conta com elevador. Onde ninguém se responsabiliza por transportá-los via escada. Então o que aconteceu é que ao longo da primeira semana de aula, Caio, Brenda e Thiago ficaram confinados na sala de recursos, no térreo. Não tiveram acesso nem à turma nem aos horários de aula propriamente ditos. Mas também não tiveram acesso às oficinas, estas sim, todas realizadas no andar térreo. Porque NENHUM professor oficineiro ou condutor veio buscá-los!

Brenda, Caio e Thiago
Caio, que entende e vivenciou um ambiente escolar, ficou claramente frustrado. Onde estavam os colegas? As atividades em grupo? As conversas, as risadas? Thiago então, nem se fala, de doer o coração. Como fala de maneira fluente, cobrava: “eu quero ir pra sala com os meus colegas!”. Brenda está em sua primeira experiência escolar, mas também não mostrou contentamento com a situação.

Repito, porque nem eu mesma acredito: nenhum professor veio buscá-los para a aula, para as oficinas, sequer para o lanche. Como assim? Não há lista de chamada? Ninguém sabe da existência deles? Não sentem sua ausência? Para piorar ainda não há monitor para as crianças. Estão buscando estagiárias. Enquanto isso, somos três mães-monitoras, também confinadas na escola, tendo que atender nossos filhos integralmente. Ah, e quando as estagiárias vierem, elas não poderão alimentá-los nem ajudá-los com a higiene, seja trocando fralda (Brenda) ou conduzindo-os ao banheiro (Caio e Thiago). Porque, me disseram, é “exercício ilegal” da profissão de professor.

Eu sabia que seria difícil? Sim, sabia. Tinha medo e quase certeza de que não haveria outra Vó Corina em nossas vidas assim, caindo de presente dos céus. Mas, eu sou daquelas que costuma acreditar nas pessoas, que costuma confiar quando me é feita uma promessa – como foi o nosso caso. Caio iniciou idas à escola em setembro do ano passado! Semanalmente! Ou seja, sabiam que iriam recebê-lo! Me convidaram a matriculá-lo lá! Disseram que o queriam! E que esta adaptação seria justamente para a escola se adaptar às necessidades dele. Para que quando as aulas iniciassem, tudo já estivesse pronto e não se perdesse tempo indo atrás da estrutura necessária. E fico magoada e me sinto passada para trás. Perdi meu tempo e o do Caio. Freqüentamos a “adaptação” à toa.

E o que dizer de Thiago, que já é aluno da escola? Que está em processo de continuidade? Senti as crianças completamente excluídas. Ignoradas em sua existência e em seus direitos. E isso machuca. E revolta.

No término do primeiro dia, ainda em choque, vim pra casa e chorei até adormecer. No terceiro dia, pensei em não ir. Mas acho que é isso mesmo que a sociedade como um todo ainda espera: que desistamos. E não, não vou entregar os pontos. Sempre digo que minha meta é levar Caio à faculdade. Se depender de mim, da vontade dele e de nossa capacidade de lutar, vai acontecer!

Claro que já entramos em contato com autoridades responsáveis dentro da Secretaria Municipal de Educação. Hoje não teve aula. Há uma reunião pedagógica acontecendo, onde dois professores que estão engajados conosco iriam colocar as cartas na mesa. Para amanhã nos foi prometido um encontro na própria escola – e uma resposta – do Departamento de Inclusão da SME. Aguardo. Torço. Sexta-feira Caio conseguiu participar de duas oficinas, porque o monitor do Thiago ficou andando atrás de um, de outro, até que conseguiu com que eles ficassem com seus respectivos grupos. Quero confiar nas pessoas que me olharam no olho e me fizeram promessas de boas vindas ao Caio, ainda não cumpridas.

Caio e Brenda se reencontraram, depois de anos, pois já foram colegas de fisioterapia, quando tinham 1-2 aninhos!
A monitoria deixou de ser nosso maior problema. Mas eu deixei claro: não vou ficar acompanhando meu filho na escola. Isto não é inclusão. Ele tem direito à assistência integral. É lei, não é favor, não é benefício. Para Caio, como eu fui a mãe que mais esperneou, estão correndo para resolver a questão da monitora. Mas o mais grave é a exclusão acontecendo assim, abertamente. Na escola, mas sem escola.

Alguns hão de pensar: “Tá vendo? Disse que a inclusão existia...”. Sim, eu disse. Vivemos ela plenamente na educação infantil. Sigo acreditando que ela é possível. Difícil, sim. Longo caminho para mudar atitudes e mentalidades. Árdua luta pelo direito à igualdade. E vamos atrás. Sei que vou voltar aqui e escrever uma história, uma postagem diferente. 
Assim seja!