terça-feira, 30 de junho de 2015

Aprendendo a lidar com a gastro

Hoje faz 14 dias que Caio fez a gastrostomia. E, embora pareça prematuro, já posso afirmar que foi um divisor de águas. Caio antes e depois dela.
Compartilhei no Facebook... durante 5 anos eu fugi da gastrostomia. Era um procedimento agressivo demais, aos meus leigos e apavorados olhos de mãe. Hoje, assumo também, que colocar uma sonda para Caio se alimentar, era afastá-lo ainda mais da "normalidade" que eu gostaria que ele aparentasse (talvez isso seja tema de outro post). Durante 5 anos procurei a mais variada gama de especialistas, fiz os mais diversos tratamentos nutricionais, gástricos e para ganho de peso. Dei todos os suplementos imagináveis. E ainda assim, Caio não reagia conforme o esperado. O organismo dele precisou da gastro. Seu refluxo severo veio se agravando, não permitindo que ele se alimentasse adequadamente por uma semana seguido, por exemplo. E o peso, já estacionado há estes mesmo 5 anos, caiu. Quando a cirurgia se tornou uma certeza inadiável, eu sofri mais ainda. Para mim, parecia a maior das incompetências maternas não conseguir manter meu filho bem nutrido... Um dolorido processo até aceitar (mais uma vez) que eu não detenho nenhum controle, que o organismo de Caio é singular e que a medicina é uma aliada. Ainda que essa ajuda venha através de um procedimento cirúrgico.

Importante frisar, embora me pareça óbvio, que não se trata somente de uma criança magra, com baixo peso. Mas de uma criança sem forças para realizar suas tarefas diárias. Caio não rendia mais na fisioterapia. Ou até rendia, mas depois caía em sono profundo de umas seis horas, período em que ficava impossível alimentá-lo. Na escola, realizar um simples desenho lhe consumia energia e ele também precisava dormir depois. E se ele não conseguia fazer suas atividades cotidianas, comecei a me perguntar: onde fica a qualidade de vida, minha meta maior, para sua condição física e neurológica? As idas à emergência pediátrica também se tornaram mais frequentes, pois a cada crise de refluxo, ele enfraquecia mais e mais, precisando de suplementação de sais minerais.

Talvez eu tenha esperado demais. Mas, como sempre digo, é como o coração da gente aguenta. E tudo acontece na hora em que tem que acontecer. Caio foi a 13 quilos. E de repente, as consultas médicas que estavam tão difíceis de conseguir pelo convênio, se encaixaram numa facilidade e em duas semanas consultamos e marcamos a cirurgia. Eu, que tanto lutei contra ela, agora tinha urgência dela. Conversei com muitas mães e não houve uma que não me dissesse as palavras mágicas: qualidade de vida. Estava decidido.

Ainda assim - e por mais que tenha mantido a decisão restrita a um pequeno grupo - recebi um número razoável de manifestações me dizendo para não escolher ainda pela gastrostomia, para adiar, para... Isso me foi cruel. Mas mais cruel era ver o sofrimento do meu filho e me omitir. Apesar de tudo, consegui ser mais forte e levar tudo adiante. Dos profissionais de saúde que acompanham Caio recebi o encorajamento necessário. Deles, o que mais ouvi foi: "Parabéns pela decisão". Ora, não poderiam me dar parabéns por algo que fosse prejudicar meu filho. Então, lá fomos nós.

Caio passou super bem pelo procedimento, não houve nenhuma intercorrência durante sua breve (dois dias) internação. Os medos foram poucos. A tranquilidade e confiança de vê-lo bem, logo suplantou os receios. 


Na recuperação, já com a carinha boa
No dia seguinte ao procedimento
Nossa nova amiga: a sonda
De alta!
Em casa!


Claro que é preciso adaptar-se a uma nova realidade. Aprender coisas novas que agora farão parte de nossa rotina. Lidar com equipos, higienizar o local da cirurgia, encontrar a melhor maneira de segurá-lo (para agora, confesso para vocês, duas semanas depois, já estar fazendo quase tudo da maneira natural de antes da gastro). Como tudo na vida, especialmente para quem tem uma criança com deficiência, é mais uma questão de adaptar-se.

Nova rotina
Do ponto de vista prático, são duas semanas e um quilo e meio a mais. Um ganho de peso fantástico, que Caio nunca alcançou antes, em proporção sequer semelhante. É uma criança que praticamente não dorme mais à tarde (ao contrário do que acontecia antes), pois tem bastante energia para ficar brincando. Que retornou hoje para sua fisioterapia com a corda toda. Que enfrentou uma crise de refluxo (sim, a cirurgia não foi para o refluxo, ele poderá continuar tendo crises, ainda mais que agora tem se alimentado bem mais) com força, sentindo de forma atenuada seus sintomas (e que pode receber medicação e hidratação de forma mais plena do que anteriormente, via oral).

12 dias e a diferença já é enorme!
Dos meus medos, ainda tenho medo de deslocar a sonda, tenho medo de machucá-lo (este, cada vez menos), tenho medo que algum coleguinha da escola mexa nela, tenho medo que ele vomite, tenho medo que ele passe mal comendo demais... Mas né? Já me disse o cirurgião, eu sou a mãe, a mim cabe os estresses; a ele, me acalmar... hehehe. Aí lembro quando Caio, com 52 dias de vida colocou a DVP e eu morria de medo de encostar na cabecinha dele, morria de medo de febre, morria de medo... E nunca aconteceu na-da! Até o dia em que ele não precisou dela.

Mais do que nunca, a vida me ensina que é preciso confiar. Que todo dia precisamos nos despir dos nossos medos, dos nossos preconceitos. Como já disse, sei que é tudo a seu tempo. Mas se eu pudesse ensinar alguma coisa a outras famílias que precisam tomar esta decisão, que não é nada fácil, eu diria: aceitem. Agradeçam que há este caminho, esta possibilidade de melhorar a vida de seu/sua filho/a. Não lutem tanto contra. Se informem, avaliem. Não coloquem culpas inexistentes em seus ombros, nem esperem soluções milagrosas. Confiem na medicina. Confiem em seus filhos. A gente tem medo, mas no fundo, já aprendeu com eles. Eles dão conta muito bem. Sigamos seus exemplos.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Novos desafios

Existe uma figurinha, daqueles Memes do Facebook em que o personagem Chapolin Colorado diz assim: Eu estou tão feliz. E a vida responde: Pois não seja por isso... Foi assim que me senti nos últimos dias. Como se tivessem puxado o tapete por onde, cheia de sorrisos, eu desfilava. Por alguns instantes, vejo quão árduo é mudar nossos padrões de comportamento. Lá estava eu mais uma vez me sentindo sacaneada. Quase com peninha de mim. Quase vítima outra vez.

Mas se tem algo que aprendi (ou estou tentando muito aprender) nessa minha passagem por esta vida, é que não sou vítima de nada. Sou estrela de minha própria história. Se ela me vem cheia de emoções – altos e baixos, sorrisos e lágrimas, dor e alegria -, meu protagonismo só me permite vivê-las. Então, bora lá!

Caio vai fazer uma cirurgia no próximo dia 15, agora. Uma gastrostomia. Vai colocar uma sonda ligada diretamente ao estômago para receber complementos nutricionais, pois seu refluxo severo lhe colocou num peso-limite à manutenção de sua qualidade de vida. Quem nos acompanha há mais tempo, vai lembrar toda a nossa peregrinação por gastropediatras e nutricionistas desde o seu primeiro ano de vida. Provavelmente vai recordar dos testes de intolerância alimentar, os inúmeros exames, os mil especialistas consultados. Tudo que me diziam, eu seguia. Dá ovo cru. Coloca azeite na comida. Maltodextrina. Faz simpatia. Promessa. Entra na justiça e pede o Fortini.

Pois nada disso surtiu o efeito desejado. E num primeiro momento, a sensação que me veio foi a de derrota. Fracassei. Não consegui. Fugi por pelo menos 5 anos deste procedimento, que me parece tão invasivo e agressivo. Mas só quem tem convivido conosco – em especial neste último ano - para saber que nada pode ser mais doloroso do que tudo o que Caio tem passado por conta do refluxo. Este semestre quase não conseguiu ir à escola, com crises praticamente semanais. Crises em que ele grita até a exaustão, se contorcendo e suando frio de dor. E está cada vez mais fraco. Eu também cheguei ao meu limite. Basta. Não quero mais ver isso. Cedi aos médicos. Vamos operar.

Como grande parte das escolhas que já tive que tomar por meu filho, esta foi uma decisão sofrida, dolorosa. Além do medo natural de qualquer procedimento cirúrgico, acho que o que pesa mais é um novo período de luto. Pois se eu penso e publico e quero sentir que antes de ser um deficiente, ele é tão somente uma criança, cada intercorrência dessas vem gritando na minha cara: ele NÃO é normal, ele NÃO é como a maioria das crianças, ele é DEFICIENTE sim e isso marca e decide vários rumos de sua vida! A cada nova realidade imposta por seu desenvolvimento – enquanto deficiente físico, eu preciso matar mais uma vez o meu filho. Aquele menino perfeito, saudável, idealizado por todas as mães. E que mesmo 10 anos depois dele chegar com a paralisia cerebral impressa em seu RG, eu ainda idealizo, ainda sonho, ainda queria tanto que fosse.

Porque todas as lutas dos pais de crianças com deficiência por fisioterapias, tratamentos, inclusão, me desculpem, nada mais é do que nosso esforço diário de aproximá-los do padrão de normalidade de desenvolvimento. Em nome da qualidade de vida, do amor, da esperança... em nome deles... em nome do que nossos corações almejam.
É em nome disso tudo. Desta qualidade de vida que tanto lhe desejo, do amor gigante que lhe tenho, da esperança em lhe ver com menos dor e mais sorrisos ainda... em nome do que meu coração aguenta ver e viver, que cedi.

Caio vai ser operado. E a verdade é que eu estou mor-ren-do de medo. Do que vem pela frente. De novos e desconhecidos caminhos. De não saber lidar. Um dia foi assim com a DVP, que os médicos colocaram junto a seu cérebro quando ele era um toquinho de gente com 52 dias de vida. Que pânico, quantos medos de como seria a vida com aquele caninho que saía do seu ventrículo cerebral e ia até o peritônio. Que não podia bater. Que se tinha medo de pressionar até no banho. Que não podia fazer febre alta. Nunca aconteceu nada de errado. E hoje, Caio não precisa mais dela. Assim também foi a tristeza e a negação com a primeira cadeira de rodas. Hoje, ela é nossa amiga, nossa aliada. Então, neste momento, tudo o que peço ao Universo é que me abençoe com luz, discernimento e força. Já aceitei a cirurgia. Que ela seja realmente o melhor por meu pequeno grande guerreiro. Que eu continue fazendo jus para estar ao lado dele, segurando sua mão miúda o tempo todo. Que nós dois saibamos trilhar essa estrada nova. E que possamos fazer isso da melhor maneira possível. Com leveza, entrega e amor.


Para nossos amigos, fica aquele pedidinho básico. Vibes, preces, ondinhas, reiki, velas... o que for. Boas energias emanadas ao meu menino no próximo dia 15. Porque quando a vida me surpreendeu com mais um filho taurino, que teoricamente seria canceriano, eu pensei: bah, lá vem mais um teimoso para o mundo! E ele está aí, teimando lindamente em driblar os desafios da vida. Eu torço e quero acreditar, do fundo do meu coração, que a gente ainda vai dar a tréplica naquele Meme... “Eu estou tão feliz”... “Não seja por isso”... “Não seja mesmo, dá pra ficar ainda mais feliz...”. E que fiquemos. Que assim seja!