segunda-feira, 14 de março de 2016

Prematuridade e o tempo

Hoje é o Dia do Prematuro. Segundo a literatura médica, prematuro é o bebê nascido antes das 37 semanas de gestação. Caio, que veio ao mundo com 33 semanas e 5 dias, é considerado um prematuro moderado. Sua paralisia cerebral e sequelas não são resultado desta prematuridade. Clínica e juridicamente foi comprovado que deveriam ter deixado ele estrear no mundo no dia em que ele escolheu - 12 de maio. Cinco dias contra o tempo escolhido por ele e meu organismo, mudaram toda a história. E ao longo destes quase 11 anos, não foram poucas as vezes em que me questionei sobre este grande Mestre: o Tempo.

Sempre digo que Caio nasceu com urgência de viver. Não quis esperar julho despontar, como indicava o acompanhamento de pré-natal. E vindo, chegou para experimentar e causar todas as mais fortes emoções juntas: medo, coragem, dor, fé, doação, impotência, generosidade. Menino que nasceu intenso.

Lembro quando ele completou seu primeiro mês de vida na UTI. Quis lamentar ele não estar em casa. Ao contrário, celebrei este precioso, até mesmo inimaginável, tempo de vida. O tempo foi meu aliado. E foi também meu carrasco quando a alta hospitalar nunca vinha - 30, 42, 55 dias. E então ela chegou! E teríamos todo o tempo do mundo!
Tempo para descobrir que ele não fazia nada ao tempo tradicional. Não sorriu. Não sentou. Não andou. Não falou. Tempo de entender que dali pra frente, a vida deixava de ser guiada pelo calendário e passaria a ser medida pelo alcance. Quão longe conseguimos ir.

Se ele não viveria um ano, segundo os prognósticos mais otimistas; estamos às vésperas de celebrar seu décimo primeiro aniversário. Se ele não sorriria... A vida, o amor, lhe ensinaram. E isto, ele nunca mais desaprendeu. Se ele teria um grave comprometimento; hoje ele é o feliz aluno da quarta série do ensino regular. Se nada seria possível; hoje tudo é uma possibilidade. Talvez melhore sua comunicação, talvez consiga ainda algum tipo de marcha - mesmo que não independente. Quanto tempo passou? Nem lembro mais! 
O fato é que aquele valente bebezinho prematuro tem chegado bem longe.

Não foram poucas as vezes em que quis voltar no calendário e mudar aquele nosso maio de 2005. O tempo - sempre ele - me trouxe o entendimento e a paz de que está tudo certo. O tempo não erra; não há cedo ou tarde. Caio pode ser prematuro, mas nasceu no tempo certo. Cumprimos nosso destino, este nosso reencontro foi muito bem planejado. Desde os mais antigos tempos a gente combinou de amar um ao outro. E assim tem sido!


sábado, 12 de março de 2016

"Eu serei tuas pernas..."

Tenho oito tatuagens. Nenhuma delas fruto de impulso juvenil. A primeira chegou depois dos 37 anos. Todas planejadas, pensadíssimas. Mas a mais significativa delas, completou um ano esta semana.
Foi para Caio. Foi por Caio. E por mim.
Eu acredito que uma das maiores expectativas da família e da sociedade para com uma criança com paralisia cerebral é vê-la caminhando (embora, claro, nem todos os PCs sejam cadeirantes). Ao menos comigo, foi assim.
Quando Caio completou um ano, transferi meu sonho de vê-lo dar seus primeiros passos para o segundo aniversário. O que não aconteceu. Então imaginei que poderia acontecer, quem sabe, no quinto ano, no sétimo... Neste meio tempo - aos três para quatro anos - veio a primeira cadeira de rodas substituindo o carrinho de bebê e um dos primeiros choques de realidade: sim, ele era cadeirante; não, ele não conseguia andar.
Mas a vida foi me trazendo maturidade para entender e aceitar. Talvez ele nunca ande. E nossa - nem a dele, nem a minha - alegria em viver não pode ser atrelada a isso. Não fazemos fisioterapia com o objetivo exclusivo dele vir a caminhar. Onde exerço minha fé, também. Vivemos por onde nos faz bem. A fisioterapia evita atrofias e dores. A fé fortalece a alma para amparar o corpo.
Sempre afirmo que Caio transformou todo o meu olhar sobre a vida e as pessoas. Principalmente me ensinou que ser guiada pelo coração não é sinônimo de fragilidade. Nosso coração é sábio e forte, na imensa maioria das vezes conhece as melhores escolhas, os melhores caminhos.
Então eu assumi, como já disse, especialmente para mim: meu filho não consegue andar. Mas isso não o faz menos amado nem menos feliz. E tatuei a imagem e escrevi este texto no mesmo dia, a sua tradução literal: 
O tempo que preciso for
Ainda que nossas vidas inteiras, meu filho
Eu serei tuas pernas
E serás tu meu coração
Um ano se passou. A gente segue lutando, fazendo fisio e exercitando a fé de que nada é impossível. Mas, principalmente, seguimos sendo alegres e gratos pelo que temos: a oportunidade diária de sonhar, lutar e sorrir. Está marcado no corpo, tatuado em nossas almas.


terça-feira, 1 de março de 2016

Borboleteando por São Paulo

Estou devendo um relato de como foi São Paulo. Foi um divisor de águas. Para mim, novos frutos sendo colhidos e saboreados. Para Tamara Wagner, nossa fotógrafa idealizadora do Projeto Borboletas, a oportunidade de ver seu sonho da inclusão pela fotografia voar mais alto. Uma Tarde Especial no Parque Edição São Paulo, foi um sucesso! Muitas famílias, muitas trocas, novas amizades surgindo, vínculos se fortalecendo e muita energia boa. Missão cumprida!




Neste mesmo final de semana foi ao ar a reportagem do Mistura (clique AQUI para assistir) e o feedback foi maravilhoso. As Borboletas ainda vão voar, quiçá, por todo o Brasil. E é isto que a gente sonha e tem trabalhado arduamente para. Estou prestando uma assessoria à Tamara em vários passos e hoje posso dizer que sou oficialmente parte da equipe do Projeto Borboletas. Além do que, a princípio, minhas palestras serão “quadro fixo” de todas as edições vindouras da Tarde no Parque.

Ah, o bate-papo com as famílias... Sim, tinham pessoas interessadas em me escutar. Como iniciante, estava nervosa, mas numa média ponderada também diria que o resultado foi atingido. Como já tinha me proposto, falei dos aprendizados que acho que tive nesta caminhada. Jamais como pretensão de colocar como verdade absoluta, apenas como um relato da minha experiência e do que deu certo, do que me ajudou e fortaleceu. E a regra é clara: se servir para alguém, beleza, leve. Se não servir, beleza também, valeu a oportunidade.

Como era um piquenique num parque, sentamos em círculo. Primeira emoção: a busca por minhas curas iniciaram nos Círculos Femininos. E agora, estou eu ali, em círculo, podendo partilhar minhas experiências com outras pessoas. “Quando eu me curo, eu curo a outra”. Que benção! Gratidão! Segunda emoção: havia vários pais, não só mães, que também se interessaram em fazer parte. Este é o mundo que a gente almeja. Amor em igualdade. Ao término da minha fala, pude ver olhos marejados me fitando. Não, a ideia não era fazer ninguém chorar. Mas pude perceber que alguns corações foram tocados. Missão mais que cumprida!











Ao fim, ainda fui muito acarinhada, o que realmente tornou esta Tarde ainda mais Especial em meu coração. É isto que quero fazer. Acender uma luzinha no coração de quem às vezes se sente triste ou perdido com este mundo da deficiência de um filho. Lembrar que todos os sentimentos são válidos e devem ser vividos. Dizer que está tudo certo, até quando parece que não está. Reforçar que ser feliz ainda é, sim, uma escolha. E que temos direito a ela. Mais do que isso: existem caminhos possíveis e gratificantes. Como este que me encontro agora, como palestrante de Uma Tarde Especial no Parque, dentro do Projeto Borboletas.








Fora isso... Ah, os ensaios... Eu achei que o de Caio foi a realização máxima de meu sonho. Sim, foi. Mas poder acompanhar histórias de amor incondicional e superação, como a do lindo Matheo e sua família – que tive a alegria de conhecer em São Paulo – trazem aquele quentinho ao coração, aquela fé maravilhosa na vida. 





Se estou neste caminho é porque tenho a partilhar – não a ensinar. Mas tenho ainda mais a aprender. Li num texto esses tempos que quando o homem acha que chegou ao topo, ele começa a morrer. Eu sigo aqui, feliz demais com minha condição consciente de aprendiz. Ainda bem!