Matando um leão por dia.
Essa foi uma das minhas primeiras expressões quando o Caio estava com uma semana de vida, internado na UTI Neo. Nada mais verdadeiro. Desde o princípio foi uma montanha russa emocional, um vai-pra-frente-volta-pra-trás.
"Mãe, ele é prematuro. Mas tem bom peso."
"Mãe, ele está com uma infecção."
"A infecção é gravíssima."
"Ele pode morrer em horas."
"Conseguimos vencer a infecção!"
"Mas a bactéria migrou para a meninge..."
"Ele está com grandes lesões cerebrais."
"Vamos salvá-lo."
"Ele está curado!"
"Ele ficou com hidrocefalia, seqüela da meningite. Vai precisar operar."
Enfim, Caíto veio ao mundo e não foi à passeio. Veio pra lutar e pra me ensinar a fazer o mesmo.
E, como dizem por aí, a luta continua.
Quando o Caio tinha 6 pra 7 meses e fez o primeiro eletro, ainda no HCPA, diagnosticaram algo grave mas não me disseram o que era. Quando iniciei o acompanhamento com a Fabi, veio o diagnóstico, assustador. Síndrome de West. Uma síndrome praticamente incurável, com degeneração neurológica, com raras chances de progressos motores ou cognitivos, que causa várias convulsões DIÁRIAS. Caio não tinha os sintomas, embora tivesse o traçado eletroencefalográfico da síndrome. Recentemente o traçado deixou de ter essas características. Mas aí apareceram as convulsões.
E eu NUNCA falei pra ninguém, exceto médicos, da síndrome. Porque, pra variar, ela era um diagnóstico sombrio e fechado: profundo e irreversível retardo mental e motor. Sem chances de desenvolvimento. O famoso "nenê-alface" que o neurocavalão falou um dia... E eu gritava dentro de mim: não, não e não!
Mas não posso tapar o sol com a peneira e o Caio tem avaliado bem mais seguido com o Richard, nosso novo neuropediatra, desde o episódio da hepatite. Desde a última internação em especial, ele tem tido alguns espasmos neurológicos que podem evoluir para uma crise convulsiva. Mas ainda assim, na primeira semana deste ano o Richard me tirou o peso do mundo das costas. Novos exames e acompanhamento comprovam: Caio não tem a síndrome de West. Mas tem epilepsia. Por conta da PC, dos problemas neurológicos.
Pode viver com ela a vida inteira sob controle.
Pode até existir fatores limitantes à reabilitação do Caio - tanto motora quanto cognitiva - do ponto de vista da literatura médica. Mas Caio contraria os prognósticos. E é nisso que, como sempre, tento me agarrar.
Principalmente no que diz respeito ao cognitivo. Ele entende, se esforça, se ajuda.
E o Richard diz que eu fiz certo. Minha postura de negar foi positiva.
Nosso neuro, recente em nossa história, me diz aquilo que gosto tanto de ouvir de alguém que está tratando o Caio comigo: que eu não devo aceitar pacificamente diagnósticos. Que devo buscar alternativas, terapias e acreditar nos avanços da medicina. Acomodar nunca!
E conheço o filho que coloquei no mundo, teimoso. Caio contraria tudo que lhe é imposto desde que nasceu. Ainda bem!
Aumentamos a dosagem da medicação e ficamos aguardando o fim dos espamos. Mas isso não aconteceu. Eles diminuíram. Mas, com a dosagem máxima da medicação para sua idade e peso corporal, era para terem desaparecido. O que achavamos que era espasmo, na verdade, já são crises convulsivas leves e curtas, sem risco de seqüela cerebral. Mas que podem evoluir para as crises convulsivas clássicas.
E isso temos que evitar.
Por isso, Caio começou com um novo anticonvulsivante.
Mais um.
O terceiro, uma vez que este é associado aos dois que ele já usa.
E aí, eu me vejo exaurida e enxergo mais um imenso leão à minha frente!
Vou tirar forças de onde??? De novo! Cavar mais?
Não estamos conseguindo controlar sua epilepsia e vejo essa prescrição negando tudo aquilo que quero acreditar e pelo qual luto tanto.
Três medicações anticonvulsivantes...
Oito ao total, todas mais de uma vez ao dia.
Me sinto impotente de novo.
Amo tanto.
Quero tanto.
Luto tanto.
Acredito tanto.
Mas nessas horas, nada disso é suficiente e parece que estamos perdendo a guerra...
Tudo continua uma incógnita.
A notícia não é grave.
A epilepsia pode evoluir positiva ou negativamente.
Caio segue com as mesmas chances de reabilitação, se conseguirmos controlar a epilepsia.
Mas ser confrontada com uma realidade mais negativa me desestabiliza muito....
Sofro por ele. Ele fica sempre cuidando se temos algum remédio na mão quando nos aproximamos.
Se ele pudesse falar, certamente me diria que não quer, que não gosta.
E mesmo que ele pudesse falar, eu nada poderia fazer a respeito...
Tenho medo das complicações medicamentosas, dos excessos (necessários, porém excessos) de medicação para uma criança de menos de 4 anos.
Tenho medo de uma criança dopada por tantos remédios (coisa que nunca ocorreu) e que não consiga realizar aquilo que ele tanto tenta.
Tenho medo de tantos remédios mal completos os 6 meses necessários para a total reabilitação do seu fígado.
Tenho medo da evolução para uma epilepsia de difícil controle.
Me dói pensar em novos exames de rotina para controle hepático.
Me dói pensar que meu guerreirinho pode sofrer.
Tenho que me convencer de que, ao contrário do que eu queria tanto que fosse a nossa realidade, Caio não é um menino saudável.
É portador de uma doença crônica e várias seqüelas.
Necessita de muitos cuidados, é vulnerável e corre alguns riscos.
Sei que fiz a coisa certa.
O Richard me disse que eu sou muito observadora e provavelmente estamos poupando o Caio de novas crises convulsivas fortes, que necessitem de hospitalização. Este é meu pequeno alento. O de que, por mais que me doa, tento fazer o melhor por ele.
Eu não queria mais essa parte difícil da nossa vida. Queria só o bem bom.
Só os sorrisos, os sonhos, as traquinagens.
Mas não é assim.
Tô triste.
Pra variar, tenho medo de não dar conta.
Do leão me pegar de jeito, porque eu já ando pra lá de esfarrapada.
Mas aí olho pro Caio.
Recebo um beijo, um carinho.
E penso que se existe algo que sempre vamos vencer é no amor.
Ele sabe. Eu sei.
O leão que nos aguarde.
A gente segue por aqui.
E ainda estamos de pé.
"A vitória pertence aos homens e mulheres deste mundo que nunca deixam de tentar, que jamais desistem."
John Ortego
10 comentários:
Dinha querida, meu coração está doendo junto com o seu, com certeza não tanto como o seu, mas junto. Sinto muuuuuuuitíssimo por vocês terem que matar mais esse leão, mas vocês vão conseguir né, ô se vão.
Um menininho forte e guerreiro como esse, ao lado do irmão mais doce e sensísvel que eu já vi e com a mãe mais maravilhosa e perfeita e que só faz o melhor por ele. Não tem como ser diferente.
Só não queria mesmo que você tivesse que passar por mais essa, mas tenta pensar pelo lado bom, ele não tem a síndrome, como você sempre soube dentro de você e agora você também sabe que ele vai superar mais essa e vai ser assim.
Te adoro, muito, muito. Estou rezando por vocês, com sempre.
beijos,
Rê
Seus amigos estarão de mãos dadas com vocês em mais essa caçada! Com ombro, colo e solidariedade à disposição! bjs
no mei desanimo , sinto que estou sem palavras , compreendo a doenças de que vc fala pois qdo trabalhava atendi pacientes como o Caio, mais não posso dizer que sei o que vc tá passando e amiga do fundo do coração , torço por vc , acredito que vão achar a dosagem certa ,e tb imagino pois não sei o que é ter esse leão atras de mim o tempo todo, o cansaço que essa corda bamba te deixa Bj força e estarei rezando pelo nosso pequeno grande homem.
Estou com vc nessa...
Força...
Mta força...
Se precisar, a hora que precisar, estamos aqui...
Dinha querida. Tua força e determinação são invejáveis. Te admiro muito e imagino o quanto é difícil conseguir matar este leão todos os dias, mas sabes que tem apoio das pessoas que amam vcs. E não preciso falar que estou aqui do lado né?!
Beijo grande
Dinha querida. Tua força e determinação são invejáveis. Te admiro muito e imagino o quanto é difícil conseguir matar este leão todos os dias, mas sabes que tem apoio das pessoas que amam vcs. E não preciso falar que estou aqui do lado né?!
Beijo grande
Dinha , recebe meu abraço e me uno a você nesta batalha!O Caio com certeza vai nos surpreender positivamente mais uma vez!
Beijos mil
Dinha, desde ontem qd. li esse post tô tentando achar palavras pra ti falar, mas elas me faltão...vc. e seu guerreiro vão sim matar mais esse leão, fé, força, coragem.
Ah, tb. resolvi inspiradas em vcs. blogueiras queridas, montar um pra falar um pouquinho das minhas meninas, passa lá.
Bjs.
mairapaolucci.blogpost.com
Dinha,
Como o Caio pertence à Liga dos Meninos Extraordinários, eu tenho esperança que vai dar tudo certo no fim das contas.
É claro que esperança às vezes não é o suficiente. A gente quer certezas, garantias, tudo com firma reconhecida e carimbo: meu filho vai crescer e ser forte e eu ainda vou ver os meus netos e eles também crescerão fortes e felizes.
Na verdade, toda mãe vive essa ilusão, e nenhuma de nós tem garantias de verdade. Só esperança.
É claro que o caso do Caio é especial e tudo parece mais difícil. É mais difícil acreditar. Mas eu acredito.
Todos os dias eu acredito.
Um grande beijo, viu?
Cyntiab
Dinha, me emocionei demais lendo este teu post, chorei, chorei, chorei, e minha admiração por ti só aumento(se é que é possível)
Beijão em vocês
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