terça-feira, 29 de março de 2011

Apenas mãe

Desde o nascimento do Caio eu vivo um grande dilema: maternidade X carreira. Acredito que muitas mulheres também o vivem. Mas acho que meu caso tem agravantes.

Minha primeira infância, junto a meus pais, foi de muita pobreza e machismo. Ao mesmo tempo em que crescia ouvindo frases como “mulher minha não trabalha fora”, sentia na pele as necessidades causadas pelas dificuldades financeiras de um lar onde só o homem tinha renda. Uma de minhas lembranças mais remotas, por exemplo, é a de uma mamadeira com café preto bem aguado e açucarado para substituir o leite que não tinha.

Numa das 830 reviravoltas que minha vida já deu, aos 5 anos, fui ser criada por uma família sem filhos e de classe alta, em Porto Alegre. Lá tive acesso não só a incontáveis mordomias que o dinheiro proporciona, mas também a uma condição que se tornaria minha meta de vida: uma mulher (minha mãe de criação) com estudo e carreira de sucesso. E acho que isso foi determinante para que eu não me deslumbrasse com a súbita mudança material na minha vida. Eu queria sim, uma vida de conforto. Mas via claramente que o caminho para isso seria de muito estudo e trabalho. E assim foi por um bom tempo. Fui uma adolescente que curtiu a vida, mas que priorizava o estudo. Aos 17 anos estava aprovada para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para o curso de Comunicação Social, onde a procura, na época, chegou a mais de 26 alunos para cada vaga. Publicitária formada, comecei a construir minha carreira em algumas agências boas, com clientes de repercussão estadual. E sempre fui uma apaixonada por minha profissão.

Anos depois, quando decidi ter meu primeiro filho, eu estava desempregada. Mas nossa renda familiar não dependia da minha profissão e tínhamos uma vida com conforto. Por essas coisas malucas da psique da gente, talvez por conta do casamento fracassado dos meus pais que, inclusive, abriram mão de mim, eu sonhava demais em ser mãe e estruturar minha própria família. E vivi a gravidez e a maternidade do meu Yuri em sua plenitude, com dedicação exclusiva. Escolha consciente, feliz. Voltei ao mercado de trabalho quando ele já tinha quase 2 anos e eu achava que podíamos, nós dois, andarmos mais independentes um do outro.

Quando o Caio veio, eu não podia me dar ao luxo de não trabalhar. Assim, trabalhei até o sétimo mês de gravidez, quando os sinais de parto prematuro começaram a marcar presença. O nascimento conturbado e tudo o que se seguiu, fez com que eu me afastasse novamente, até mesmo por recomendação médica. Eu não sabia que o Caio tinha a paralisia cerebral como grande seqüela do seu nascimento e ouvia assustada os médicos me dizerem que eu devia ficar “de olho” nele pelo menos até ele completar um ano. Mas, como tudo fluiu bem, dentro do seu quadro, quando ele estava com 10 meses, eu fiz um acordo com minha mãe e voltei a trabalhar.

Foram anos muito bons, em que acredito que cresci muito profissionalmente. Coordenei uma equipe inteira de criação, fiz atendimento e acabei gerenciando nossa filial em minha própria cidade. Mas não foi nada fácil. A pressão do meu chefe por não entender porque eu me ausentava tanto - na época, Caio tinha várias especialidades médicas de rotina. Os sustos com as primeiras crises convulsivas e a internação na UTI por conta da hepatite. Eu acho que consegui dar conta de ambas as tarefas – filhos e profissão – muito bem. E tenho saudades dessa época.

Fiquei desempregada no final de 2008 e novas portas não se abriram. Sou considerada uma profissional velha para o cruel mercado publicitário. Mas não sei se sei fazer outra coisa... Já dei aulas particulares de português e redação para candidatos a concursos públicos, formato trabalhos de conclusão em normas ABNT... e faço meus docinhos!

Amo cuidar dos meus filhos.
Acredito mesmo que o Caio precisa de mim, do meu olhar atento à sua saúde. Que é meu o papel maior na sua tentativa de reabilitação, coisa que faço com muito carinho, dedicação e fé.
Mas me sinto muito frustrada em ser “apenas” mãe.
Sinto falta de ter o meu dinheiro, poder gastar comigo mesma numa blusa, num perfume. Sinto falta de ter colegas, de conversar sobre estratégias de trabalho, de fazer planejamentos. Sinto falta de compartilhar uma parte boa e inteligente de mim, que eu cultivei com tanto afinco desde a adolescência comprometida com o estudo.
Vim de uma família de agricultores e as poucas mulheres que trabalhavam eram como empregadas domésticas ou na própria agricultura (em roças). Fui a primeira mulher da minha família (tanto materna quanto paterna) a conquistar um diploma universitário! E onde fui parar? Em casa, cuidando dos desejados filhos...

Yuri sente orgulho de mim quando trabalho. Já dei “palestras” em sua escola explicando minha profissão e ele adorava quando eu levava materiais que os colegas conheciam, de outdoors, propagandas de rádio, panfletos... e descobriam que era eu quem os fazia! Eu quero muito retomar minha vida profissional. Mas não vejo por onde...

Caio toma todo o meu tempo e a tendência é “piorar”. Atualmente ele faz fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e musicoterapia. Para maio, deve iniciar a hidroterapia. E estamos perto, pela primeira vez, de realizar o sonho da equoterapia aqui mesmo em nossa cidade! Ah, sim... e ainda terá a escola, agorinha em abril! Penso em alternativas para um emprego de meio turno, se ele se adaptar bem à escola. Seria o ideal. Mas a demanda parece inexistente...

Claro que se coloco tudo numa balança, é óbvio que deixar abertas todas as chances de reabilitação do meu guerreiro é a prioridade.
Mas ainda não é uma questão bem resolvida pra mim. Espero que um dia se torne.
Porque, ao que tudo indica, ser mãe é o grande papel que me estava reservado nesta vida. Espero que eu saiba desempenhá-lo bem, ao menos. Porque não quero ser “apenas” mãe. Desejo então ser uma excelente mãe para meus dois tesouros, a melhor que eles poderiam ter.


Update: Escrevi este texto semana passada. De lá para cá, uma luz parece surgir e a oportunidade perfeita de conciliar filhos e trabalho começa a se apresentar. Tô torcendo e acreditando muito. De qualquer forma, o desabafo e o sentimento são válidos.

2 comentários:

Anônimo disse...

que bom ler o post + update! boa sorte e que esta possibilidade se concretize!
Val.

Bárbara Szücs disse...

Estamos torcendo, Dinha!