terça-feira, 2 de setembro de 2014

As redes sociais e os diferentes posicionamentos

Acho que tudo na vida é causa e efeito. Sabemos disso. Eu ajo, um outro reage. É assim que se estabelecem as relações humanas: ao meu sorriso o outro reagirá com simpatia e podemos construir uma relação de afeto; ao meu empenho o outro reagirá com aprovação e podemos construir uma saudável relação profissional; e por aí vai. A internet e as redes sociais expõem isso de maneira mais contundente. E nos mostra que não somos seres tão sociáveis como queremos acreditar.

Li ontem a notícia que o ator José de Abreu excluiu sua conta de uma destas redes, para evitar o convívio (ou confronto) com o jornalista Diogo Mainardi, relação essa que já vem sendo conturbada desde os idos de 2005, segundo fontes. Mainardi acusa Abreu de apoiar determinadas chapas políticas em troca de favorecimento no financiamento de seus espetáculos; o ator rebateu que o jornalista é um canalha que explorou a própria doença do filho num livro. Como o que o filho de Diogo tem é paralisia cerebral, como também pretendo escrever um livro, talvez a notícia tenha me atingido em especial, é verdade. Mas acho que é uma reflexão válida para todos nós, enquanto pessoas que se acham incrivelmente conectadas e socializadas. Embuste.

Entre minhas polêmicas opiniões pessoais, sou do time que acha que quem vai na chuva é pra se molhar. Ser uma figura pública - independente se artista, político, comunicador - é saber-se alvo de observações e julgamentos constantes. Eu mesma, com este blog, tenho colocado a cara à tapa há 9 anos; nem sempre recebo só carinho e aprovação nos comentários ou emails. Muito antes pelo contrário, já recebi algumas mensagens bem pesadas, com críticas agressivas e nada construtivas. O que fiz com elas? Raramente as expus ou respondi publicamente. Porque acho que faz parte do ser humano julgar o outro - vejam bem: não digo se julgar é certo ou errado, é inerente, todos fazemos. As diferenças em como as relações se conduzem quando eu faço, quando tu criticas, quando eu reajo, é a proporção que se dá ao outro. Eu, Cláudia, julgo muito, julgo o tempo todo. Mas não costumo expôr meu veredito, a não ser que seja uma pessoa do meu círculo mais íntimo, a quem eu acho que minha opinião possa agregar de alguma forma. Ou porque é importante para manter essa nossa relação num patamar que qualifico com saudável.

E ainda assim, dentro desta minha teórica ordenação, eu acho que há limites. Mainardi é ácido. Sempre foi, nunca mudará. Não tem papas na língua nem na ponta dos dedos. Mainardi foi ácido em seu maravilhoso livro A Queda, onde conta a história de seu filho Tito, paralisado cerebral devido a um grotesco erro médico. Aliás, reverencio este livro. Me libertou de muitos sentimentos de culpa em relação ao meu Caio. Eu não preciso amar tudo, eu posso questionar muito, posso me debater ou posso encarar sem floreios - isso não tira a incondicionalidade do meu amor, tal qual o que o pai de Tito lhe dedica. José de Abreu, artista, imagino quantas críticas recebeu ao longo de sua carreira. No que a opinião do jornalista lhe alcança tanto? A meu ver, Diogo exerce o seu papel de crítico político - e aí, não há diplomacia mesmo (mais uma vez reforço: não estou dizendo que está certo, simplesmente é). Mas, usar uma história tão pessoal, uma história que nem é de Diogo, mas de Tito... aí acho que o ator errou feio a mão.

Diogo expõe o filho. Eu exponho Caio. Não sabemos se eles concordam com isso, mas sabemos da importância de que nossas histórias sejam compartilhadas. Num primeiro momento por questões pessoais - se gosto de escrever, posso sentir essa necessidade urgente de escrever sobre meus sentimentos mais profundos de dor, de alegria, de esperança, de conformidade. E escrevo porque partilhar essa história é dar luz a uma minoria: a deficiência. Quando nos tornamos pais de uma criança deficiente, acho que só existem dois caminhos: ou se nega esta missão, ou se abraça uma causa inteira. Do modo que for, acho que Diogo e eu, optamos pela segunda opção.

Dou a cara à tapa e, claro, sei que haverão os julgamentos. Mas manerem. Só eu sei "a dor e a delícia de ser o que é". Por mais que eu escreva. Por mais que eu tente compartilhar. Não falem o que não sabem, o que não experimentam na carne e na alma. Não use a deficiência como sendo um castigo, uma infelicidade, um fardo. Não estigmatize o que já o é por demais, sem conhecimento de causa. Não seja superficial com o que teus olhos vêem, não seja conivente com o que é convencionado - teus olhos te traem, a convenção pode não ser espelho da realidade. 

Abreu pode ser um vendido, um interesseiro, um canastrão, um nojento, como Mainardi qualificou. Mainardi pode ser um escroto, um canalha, um maléfico, como publicou Abreu. Não estou julgando o mérito de nenhum deles. Mas deixem Tito em paz, não o envolvam. 

Estar em uma rede social é estar aberto a diferentes - e portanto contrários - posicionamentos. O problema é que a grande maioria só é social enquanto é curtido, é linkado, é retuitado. Aceite o ponto de vista do outro. Ainda que divergente do teu. Há sempre escolhas; podes tentá-lo fazer mudar de opinião, na base de uma civilizada troca de ideias. Ou podes deixar pra lá: é a opinião dele, é o que ele sabe, é o que ele tem a oferecer. E como diz aquele selinho amplamente compartilhado por aí: "Me julgue do jeito que você quiser. Afinal a opinião é sua, a realidade é minha". Mas, por favor, guardem os facões. Não acrescenta nadinha.